quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Física Moderna


1 -- Por que devemos levar ao aluno o conhecimento dessa história?
Alijar a ciência de seu processo histórico, de suas contingências e de suas representações é condená-la a um destino que se assemelha mais à religião, ligando paradigmas a dogmas, e sociedades científicas a seitas.
Marcos Cezar D. Neves
Uma ausência que se faz notar no ensino da Física é a sua história, os manuais somente contemplam o formalismo matemático, quando muito destacam uma pequena biografia de algum cientista (nascimento e morte) ou um pequeno histórico (fatos em ordem cronológica), mas a construção do conceito, o trabalho dos cientistas, as idéias preexistentes e o próprio modo de fazer ciência são ignorados. Tal aspecto insinua aos alunos que as teorias surgem definitivas, como num passe de mágica, da cabeça de alguns privilegiados.
É, então, necessário inserir no ensino da Física a História da Ciência que pode ser abordada em dois aspectos, um internalista e outro externalista. No primeiro caso interessa o desenvolvimento epistemológico da ciência e, no segundo, são incluídos aspectos sociais que permeiam a construção científica. Privilegiamos, neste curso o primeiro aspecto, embora saibamos que seria melhor contemplar os dois, pois segundo o professor Zanetic (1989, pag. 74), ``o referencial social no qual determinado desenvolvimento científico foi produzido e o referencial epistemológico respectivo devem favorecer a compreensão e o domínio sobre as teorias aceitas como válidas atualmente, bem como a compreensão das teorias do passado.''
São muitos os defensores da inclusão da História da Ciência no ensino, motivados por diversos fatores. Eis alguns exemplos:
Zanetic (1989, pag. 80) argumenta que a abordagem histórica da Física deve caminhar
no sentido de fazer uma ``construção'' racional, crítica, polêmica, instigadora do imaginário, desveladora do ``secreto do mundo'' da física clássica e pré-clássica, que revele além dos sucessos também os fracassos ocorridos ao longo do desenvolvimento da física, enfim, uma história que apresente o caráter dinâmico que foi característica do passado e que, certamente, com uma educação inovadora será ainda mais dinâmica.
Em Carvalho (1989, p. 10) vemos,
O desenvolvimento histórico nos faz compreender os raciocínios elaborados em cada etapa do processo de desenvolvimento de um conceito e as dificuldades encontradas pelos cientistas que, às vezes, levaram anos e anos para superá-las.
Nos PCNs,
A História das Ciências também é fonte importante de conhecimentos na área. A história das idéias científicas e a história das relações do ser humano com seu corpo, com os ambientes e com os recursos naturais devem ter lugar no ensino, para que se possa construir com os alunos uma concepção interativa de Ciência e Tecnologia não neutras, contextualizada nas relações entre as sociedades humanas e a natureza. (Parâmetros curriculares nacionais: ciências naturais, 1997, p.32).
O físico brasileiro Mário Schenberg defende:
A História da Ciência é mais fascinante que um romance policial.(...) O estudo da História da Ciência é muito importante, sobretudo para os jovens. Acho que os jovens deveriam ler História da Ciência porque freqüentemente o ensino universitário é extremamente dogmático, não mostrando como ela nasceu. Por exemplo, um estudante pode facilmente imaginar que o conceito de massa seja simples e intuitivo, o que não corresponde à verdade histórica. (Zanetic, 1989, pag. 68-69)
Martins (1990) sugere bons motivos para que tanto professores como alunos universitários conheçam e utilizem a História da Ciência no ensino. Podemos estender essa sugestão para professores e alunos de todas as etapas envolvidas na educação, pois através dela podemos perceber a formação cultural do mundo em que vivemos, perceber as idéias que ainda fazem parte do senso comum, como já superadas, conhecer a vida dos cientistas, o momento político em que viveram, as controvérsias e dificuldades que enfrentaram, os experimentos que realizaram. Apresentar não somente o resultado da ciência, mas o que é ciência, ``Ela pode ser usada para contrabalançar os aspectos puramente técnicos de uma aula, complementando-os com um estudo de aspectos sociais, humanos e culturais.''
Esse mesmo autor, citado em Zanetic (1989, pag. 81) diz:
...se a gente quer formar um cientista, este tem que saber como a ciência é construída e não apenas o resultado final. Eu vejo a utilidade do conhecimento histórico para o professor de física no sentido dele ser capaz de ensinar melhor o conteúdo do que está no livro texto.
de ser inspiração para o professor definir conteúdos, dar seqüência às atividades desenvolvidas em classe, conforme atesta Bastos (1998), a História da Ciência leva o aluno a perceber o caráter humano da construção científica, percebendo o cientista como um homem comum, passível de erros como todos os demais seres humanos, que como tal sofrem a influência cultural, social e mesmo religiosa da época em que vivem, além do caráter temporário das teorias e modelos ao perceber que estas vão se modificando ao longo do tempo.
Para finalizar, gostaria de destacar que um mergulho na História da Ciência pode nos tranqüilizar quanto à dificuldade do aluno em aprender novos conceitos, basta olharmos a posição de Newton, que mesmo diante da difração, e de Planck, que mesmo diante do efeito fotoelétrico, se arraigaram aos velhos conceitos. Quanto a isto, a professora Yassuko Housome (Zanetic, 1989, pag. 83) diz:
...podemos dizer que talvez os conceitos encontrados ao longo da História da Ciência possam servir como sugestões para novas interpretações do modo de pensar dos estudantes, onde as idéias de ``espaço absoluto'', ``movimento próprio'', ``observadores privilegiados'' parecem bastante arraigadas e concorrendo com a Física clássica ensinada na escola.
2 -- Que papel têm os textos originais dos cientistas?
É inconcebível, por exemplo, que um estudante sério de literatura inglesa não haja lido Shakespeare, Milton e Scott; mas um estudante sério de física, por outro lado, pode perfeitamente passar sem ler textos de Newton, Leibniz e Galileu.
Robert Merton
Poderíamos, com todo direito, transpor a epígrafe acima para nosso país, ou será que a situação é diferente aqui? Será que nossos alunos que lêem Carlos Drumond de Andrade, Érico Veríssimo, José de Alencar, lêem também Newton, Galileu, Einstein? E não leram também sobre a física desenvolvida por brasileiros, como é o caso dos textos de Mário Schemberg e José Leite Lopes. Creio que a resposta é não e um não em parte justificável. Vamos dizer que essa é a parte provocada principalmente por dois motivos.
O primeiro pela própria natureza da ciência que resiste à adoção de tal método conforme nos diz Paulo Cesar C. Abrantes, citado em Zanetic (1989, pag. 79)
A resistência que encontramos nos meios educacionais a esta alternativa não é mais do que um reflexo da ideologia anti-histórica da profissão científica. Essa resistência se fundamenta sobre a ignorância da natureza do ``conhecimento científico'' e não pode portanto invalidar a proposição.
O segundo pela dificuldade inerente à leitura de um texto de época. Às vezes, não é fácil, para o aluno, se inteirar de uma obra escrita em condições totalmente diferentes da atual, a linguagem, a filosofia, o contexto da época e o conhecimento científico são outros.
No entanto, tais problemas podem ser superados se a inserção do texto original for feita de forma planejada, pensada e não realizada de qualquer jeito,
Vemos no texto original de cientista acoplado a uma atividade prática, uma forma de trabalho escolar em que o aluno tem a possibilidade de acompanhar a evolução da construção científica. Mas para que seja produtivo, precisamos de estratégias adequadas para uso do texto.
Deve-se, portanto, selecionar o texto de maneira que sua leitura esteja adequada com as atividades propostas em sala de aula e de modo a proporcionar uma ação reflexiva sobre o assunto trabalhado, ``é preciso que se estabeleça uma sintonia entre o leitor, no caso o aluno, e o texto''.
Vencidas essas dificuldades, são inúmeras as vantagens da utilização dos originais. Para começar, podemos dizer que os textos originais se constituem num tipo de leitura bastante envolvente, pois não é difícil se encantar com as obras de Galileu, Kepler, Einstein e outros cientistas com veia literária (Zanetic, 1998) que produziram verdadeiras pérolas da literatura. Aliás, essa é uma vantagem que possibilita aos alunos, desprovidos de interesse pelas ciências exatas, se inteirar da Física de maneira diferente daquela que costumeiramente é apresentada nas escolas.
Através dos originais podemos saber diretamente de que forma pensava o cientista, os experimentos que fazia, com chance de repeti-los em sala de aula, como se posicionava frente aos problemas de sua época, enfim,
O original está conectado ao contexto histórico, enfatiza o papel do autor, que é o primeiro a ver ou interpretar o que ele descreve. O assunto não está ainda logicamente assentado, detalhes não podem ser omitidos, simplificação não é permitida. A linguagem deve expressar coisas novas e mostra o esforço da inovação.
Não é atual a preocupação com este instrumento de ensino, Leibniz (Zanetic, 1989, pag. 79), com muita propriedade, teceu os seguintes comentários sobre Descartes:
Descartes queria fazer-nos crer que não lera quase nada. Essa asserção era um tanto exagerada. Assim mesmo, é bom estudar a descoberta dos outros de uma maneira que nos revele a fonte das descobertas e as torne de certo modo nossas. E eu gostaria que os autores nos contassem a história das suas descobertas e os passos que deram para chegar a elas. Quando eles deixam de fazê-lo, devemos tentar adivinhar esses passos, a fim de aproveitar o mais possível os seus trabalhos.
Se os críticos quisessem fazer isso para nós quando comentam os livros eles prestariam grande serviço ao público.
e Maxwell (Zanetic, 1989, pag. 82) deu o seguinte depoimento:
Estive lendo velhos livros de ótica e neles descobri muitas coisas melhores do que as novidades de hoje. Os matemáticos estrangeiros estão descobrindo agora, por seus próprios meios, métodos que já eram bem conhecidos em Cambridge em 1720, mas que caíram no esquecimento.
Dion, em sua tese de doutorado (1997), levanta as seguintes possibilidades para a utilização dos originais como instrumento de ensino:
conhecer/discutir os processos da ciência
-- é possível entender como se dá o processo de construção da ciência, de que forma os cientistas trabalham, que critérios utilizam para formular um conceito, o papel da experimentação na ciência, ou seja, os originais permitem conhecer a natureza da ciência;
aprofundar significados de conceitos
-- nesse ponto vemos concordância entre o original e as obras literárias, conforme citamos acima, que facilita ao aluno a aprendizagem de conceitos, principalmente quando estes não possuem facilidade com a linguagem matemática. Nesse âmbito achamos importante que o aluno tenha contato com as idéias que deram origem aos conceitos, pois ``o pensamento e as idéias, e não as fórmulas, são o princípio de toda teoria física. As idéias devem assumir posteriormente a forma matemática de uma teoria quantitativa, para possibilitar uma comparação com a experiência.'' (Eintein e Infeld, 1980., pag. 222);
discutir questões de linguagem e interpretação
-- nesse caso, o texto fornece material para se descobrir o contexto social, cultural e até mesmo político da época em que foi escrito além de evidenciar a linguagem adotada pela ciência;
identificar obstáculos epistemológicos
-- através dos originais podemos visualizar o pensamento do cientista, seus erros, conseqüência, talvez, da dificuldade que tinha em ``enxergar'' um novo conceito, ou um conceito diferente daquele que julgava estar certo. A vantagem do texto, também nesse caso, é desmitificar um pouco a figura do cientista.
De maneira geral, pensamos que a utilização dos originais traz um movimento diferente às aulas, renova, aproxima, dá um toque mais humano à Física, pois:
é necessário resgatar o interesse dos alunos pela Física. Cada um de nós que está ligado de uma forma ou de outra ao ensino de Física sabe que o seu estudo permite uma compreensão básica da Natureza, além de desenvolver nos estudantes uma série de habilidades que podem dar vazão à sua criatividade, proporcionando prazer, alegria e desafios. Sem isso, é impossível tornar a Física uma disciplina interessante e atraente.
3-Onde entra a Física Moderna e por que devemos conhecê-la (ensiná-la)?
Como se me apresentaria o mundo se eu pudesse viajar em um raio de luz?
Albert Einstein
Pensamos em chegar à Física Moderna através da Óptica Física seguindo os passos de Albert Einstein, pois foi pensando em seguir um feixe de luz que Einstein, aos dezesseis anos, começou a ficar intrigado com os fenômenos ópticos, mecânicos e eletromagnéticos.
A Óptica Física, infelizmente, é pouco explorada no ensino da Física. Através dela podemos levar ao aluno conhecimentos da História da Ciência, os textos originais dos cientistas e introduzi-lo no estudo da Física Moderna, já que a Física Quântica se relaciona à natureza da luz e a Relatividade Especial de Einstein à velocidade da luz.
Geralmente, esses assuntos são trabalhados com alunos do segundo ano do ensino médio através de projetos. Um exemplo de projeto é o esquematizado abaixo:
CONTEÚDO BÁSICO
OBJETIVOS: Contribuir para que os estudantes ...
ATIVIDADES DESENVOLVIDAS
1 -- Teorias sobre a luz.
conheçam as várias concepções sobre a luz no decorrer da história e os intentos para calcular sua velocidade.
Leitura do texto ``A luz em bolas -- dualidade onda/partícula'' (Telecurso 2000 - aula 35) e discussão.
2 -- Ondulatória -- ondas, comprimento, freqüência e velocidade.
saibam conceituar ondas, como podem ser e resolver problemas referentes.
Leitura e explicação conceitual e matemática.
3 -- A luz como onda -- fenômenos ondulatórios.
saibam o que é interferência, difração, polarização, refração e reflexão; entendam a luz como onda eletromagnética.
Leitura de textos e atividade experimental com laser; decomposição da luz em cores; mistura de luzes coloridas.
4 -- A luz como partícula -- Óptica geométrica.
saibam que os fenômenos de reflexão e refração podem ser explicados a partir da teoria corpuscular; conheçam o efeito fotoelétrico e suas implicações na física e no mundo moderno.
Leitura de textos; pesquisa sobre o efeito fotoelétrico.
5 -- Física Quântica.
se interem do que trata a Física Quântica, seus princípios e implicações.
Leitura de textos e exercícios.
6 -- Teoria da Relatividade.
saibam que a velocidade da luz é a maior velocidade encontrada na natureza, discutam a existência do éter, conheçam a experiência de Michelson-Morley relacionando esse fato à teoria da relatividade especial de Einstein.
Leitura de textos; desenvolvimento matemático da teoria.
A Física Moderna inaugurou um novo modo de pensar não só na ciência como também em várias outras áreas do conhecimento, permitindo visualizar o mundo como uma teia interrelacionada e interdependente de fenômenos. Essa visão permitiu relacionar as partes com o todo e o todo com as partes, rompendo com a causalidade linear e dando lugar à outra que contempla a interação, a probabilidade e a complementaridade que
favorece a apropriação, o diálogo e a negociação, características necessárias na construção de uma nova organização social em que devem participar atores diferentes dada a complexidade atual. Por isso, a educação científica de hoje precisa contemplar aquilo que é antagônico e complementar.
A introdução da Física Moderna no ensino médio é de suma importância conforme atestam vários estudos na área. Podemos destacar dentre os motivos mais convincentes aqueles que permitem que os alunos dialoguem com os fenômenos físicos que estão por trás do funcionamento de aparelhos que, atualmente, são utilizados de forma corriqueira no dia-a-dia da maioria das pessoas, fato, aliás, que torna o assunto bastante interessante.
É imprescindível que o estudante do segundo grau conheça os fundamentos da tecnologia atual, já que ela atua diretamente em sua vida e certamente definirá o seu futuro profissional. Daí a importância de se introduzir conceitos básicos da Física Moderna e, em especial, de se fazer uma ponte entre a física da sala de aula e a física do cotidiano.
A importância de se fazer essa relação é candente para o estudante/cidadão, pois através dela é possível analisar algumas implicações da ciência no aspecto social, cultural, ecológico, enfim, global. Conhecendo essas implicações é possível adotar posturas éticas e políticas, cada vez mais necessárias, quanto ao uso das modernas tecnologias que o avanço da ciência possibilita.
O exercício da cidadania baseia-se no conhecimento das formas contemporâneas de linguagem e no domínio dos princípios científicos e tecnológicos que atuam na produção moderna.
Como pudemos perceber, são inúmeras as razões para que o ensino da Física Moderna seja implantado nas escolas do ensino médio, porém sabemos que a carga horária das aulas de Física nas escolas, principalmente nas públicas, é pequena, que o vestibular é um grande fator limitante e que
a compatibilidade do estudo da Física Clássica e da Física Moderna, dentro da mesma programação de três anos de 2o grau, talvez seja o problema mais difícil a ser enfrentado, de modo a garantir a aceitação e, consequentemente, as chances de sucesso de uma reformulação do tipo proposto.
Mas, parafraseando o professor João Zanetic, da USP, sabemos que é necessário que ``ensinemos a física do século XX antes que ele acabe''. Bem, o século XX já acabou e outra forma de ver o mundo se iniciou, temos que correr atrás do prejuízo.
NOTA: Não pretendemos neste curso, detalhar o formalismo matemático dos tópicos envolvidos, nem nos aprofundarmos nestes assuntos, pois isso faria com que nos perdêssemos pelo meio do caminho. Mas, é importante percebermos que a Física é mesmo uma teia de conhecimentos interligados e interdependentes e notar que aqueles que a vêem somente como uma ciência`formulista'', não vêem mais do que a ponta de um enorme iceberg, portanto não conhecem esta maravilhosa ciência.